Eu já falei anteriormente (por exemplo, aqui) sobre a crise de transportes marítimos que vem assolando a indústria de jogos de tabuleiro, e agora a revista Time fez uma matéria chamada “Como a Crise dos Transportes está Paralisando o Mercado“.
A matéria completa, de Megan McCluskey, você pode ler na íntegra neste link, mas para aqueles que não falam inglês, eu resolvi fazer uma tradução livre, já que se trata de um assunto que já afeta e afetará ainda mais o nosso mercado.
Os jogos se tornaram uma linha vital de entretenimento para muitas pessoas que ficaram em casa em meio à pandemia, e muitos proprietários de empresas de jogos de tabuleiro encontraram sucesso perseguindo sua paixão. Mas agora, a indústria de jogos de tabuleiro está sentindo os efeitos desastrosos da atual crise mundial de transporte marítimo, com alguns sendo mais prejudicados porque a demanda subiu muito.
Como os preços dispararam, tanto para os contêineres de embarque quanto para o espaço a bordo de navios de carga no exterior, os atrasos de embarque e o aumento dos custos de frete estão atingindo duramente as editoras de jogos de tabuleiro, particularmente as empresas menores. Apesar do fato de que os consumidores estão comprando jogos, não há como as editoras entregarem os produtos a seus clientes, diz Maggie Clayton, diretora de vendas e marketing da Greater Than Games.
“Temos um contêiner de nosso jogo mais popular parado na China desde maio deste ano”, diz ela à TIME. “Nós fizemos pré-vendas, o que significa que todo esse produto está efetivamente vendido – exceto pelo fato de que ainda não temos nem os jogos nem o dinheiro. Portanto, estamos em uma situação estranha onde há uma alta demanda por nossos produtos devido ao aumento de pessoas jogando jogos durante a pandemia, mas simplesmente não conseguimos trazer o produto até aqui”.
Uma Espada de Dois Gumes
Devido à necessidade de plásticos e outras matérias primas que normalmente são adquiridas no exterior, bem como aos altos custos de fabricação nos EUA, as empresas de jogos menores geralmente não têm outra escolha senão encomendar seus produtos no exterior. Agora, os criadores e editoras de jogos de tabuleiro estão tentando de tudo, desde negociações até ações coletivas para manter seus negócios em funcionamento.
Hasbro, a empresa por trás de clássicos como Monopoly(1) e Clue(2), relatou um salto nas vendas de jogos de mais de 20% em 2020, enquanto o fornecedor de pesquisa de mercado Euromonitor International estimou que o valor do mercado global de jogos e quebra-cabeças aumentou em quase US$ 1 bilhão. Na Fireside Games, a CEO Anne-Marie De Witt diz que o jogo mais popular da empresa, Castle Panic, (um jogo de tabuleiro cooperativo de defesa de torre) também teve um salto de vendas de cerca de 20%.
Então a crise de fornecimento começou.
“Enquanto ainda estávamos tentando descobrir se deveríamos usar a métrica tradicional para nos orientar para o quarto trimestre, se os números estavam artificialmente inflados pela pandemia, começamos a ouvir falar sobre os preços de embarque subindo sem parar”, diz De Witt. “Depois foi tipo, larguem as canetas. Não temos tempo para ser precisos sobre o que nossas próximas impressões precisam conter. Só coloquem algum produto em um barco”.
Embora os preços das envios já estivessem subindo antes da pandemia, eles saíram do controle ao longo do ano passado. E uma popularidade crescente dos jogos geralmente significa encomendar mais para manter o estoque à mão para vender.
“Antes da pandemia, estávamos encontrando contêineres de 20 pés custando cerca de US$5.000, o que já havia subido dos cerca de US$3.000 nos anos anteriores”, diz De Witt. “Tivemos a sorte de conseguir um contêiner de 20 pés a US$9.000. Nossos dois próximos envios foram de US$21.000 cada… Ouvi dizer que algumas pessoas pagaram US$35.000 ou mesmo US$40.000 por um contêiner de 20 pés. É um infortúnio”.
Iniciativa Coletiva
Embora o co-proprietário da DUST USA, Gregoire Boisbelaud, diga que a demanda por jogos foi “maciçamente melhor” do que o esperado em 2020, os gargalos da cadeia de produção criaram, desde então, enormes problemas para a empresa. DUST 1947, o mais popular jogo da empresa, é um jogo tático de miniaturas que incorpora alienígenas, zumbis, “cultistas conjuradores de monstros” e armamento futurista, tudo isso em uma linha de tempo alternativa da Segunda Guerra Mundial. Enquanto o produto DUST USA normalmente levava de cinco a seis semanas para chegar da China ao armazém da empresa, na Geórgia, Boisbelaud diz que este não tem sido o caso este ano.
“Deveríamos ter um embarque da China em fevereiro, mas ele ficou preso no centro de embarque por quase um mês”, diz ele à TIME. “Ele finalmente partiu em março e deveria ter chegado em maio, mas está preso no porto de Seattle desde então. Meu contêiner está parado em algum lugar em uma pilha de contêineres. É tão problemático que provavelmente vamos fechar as portas até o final do ano”.
As questões da DUST USA ilustram como as empresas de jogos menores estão sendo forçadas a tomar decisões difíceis que têm o potencial de quebrá-las. Enquanto algumas estão escolhendo tentar absorver os custos associados com o atraso de remessas, outras não têm escolha senão aumentar os preços de varejo e, ao fazer isso, correm o risco de perder clientes.
Na Greater Than Games, sua linha de produtos mais popular é Spirit Island(3), um jogo de estratégia cooperativa, onde os jogadores jogam como espíritos com poderes elementares. Clayton diz que eles aumentaram o preço de varejo do jogo em cerca de US$10 por cópia para compensar o aumento dos custos de frete.
“Temos um pouco de sorte no sentido de que este produto é um jogo de estratégia muito pesado, então um preço mais alto é mais aceitável do ponto de vista do consumidor porque há muitos componentes que entram nele e o valor ainda está lá”, diz Clayton. “Mas ao nos depararmos com essa questão com alguns de nossos jogos menores, vai ser mais difícil convencer as pessoas de que um jogo que parece que deveria custar US$20 valer realmente US$30”.
Enquanto isso, algumas pessoas como Molly Zeff, co-fundadora e CEO da Flying Leap Games, exploraram soluções criativas para lidar com os aumentos de preços.
Vendo cotações de contêineres de embarque que equivalem de cinco a dez vezes o custo de fabricação de jogos como Wing It, seu jogo centrado em contação de história, Zeff diz que ela formou uma cooperativa de 11 outras editoras de jogos para tentar negociar custos de fabricação mais baixos.
“Tenho uma mente muito cooperativa, então pensei, posso dar mais poder à nossa empresa se eu formar uma cooperativa para nos ajudar a negociar”, diz Zeff, lembrando que ela entrou em contato com mais de 30 fabricantes em 17 países para perguntar-lhes sobre preços.
Fornecimento de Financiamentos Coletivos
Editoras e criadores que confiaram no Kickstarter para o financiamento coletivo devem, também, levar em conta os jogos que já devem aos apoiadores em suas campanhas. Isto criou ainda mais problemas para editoras cujos compradores tomaram a decisão de financiar seus projetos antes que estes problemas da cadeia de abastecimento fossem realmente um problema.
“Há mais de 50.000 unidades de diferentes jogos, expansões e acessórios que estamos tentando mover há três meses”, diz Clayton. “Isto inclui nosso jogo mais vendido, Spirit Island, e Sentinels of the Multiverse: Edição Definitiva, que mais de 7.000 apoiadores estão esperando”.
O Kickstarter desempenha um papel enorme na indústria de jogos de tabuleiro, com campanhas que supostamente arrecadaram mais de U$146 milhões no site somente na primeira metade de 2021. Mais de 1.800 jogos já foram financiados até agora em 2021, com 28 desses arrecadando mais de US$ 1 milhão. Mas para que empresas menores com campanhas de financiamento coletivo possam sobreviver, Zeff diz que os apoiadores terão que ser pacientes.
“O Kickstarter é uma grande parte desta indústria”, diz ela. “Portanto, os apoiadores de campanhas e consumidores individuais ou lojas que tenham encomendado previamente terão que perceber que estarão esperando pelo produto e que, como os custos de envio estão subindo, alguns desses custos podem ter de ser repassados ao consumidor”.
Acima de tudo, Clayton diz que quer que os jogadores entendam que as empresas menores não querem ter que lidar com esses obstáculos mais do que eles.
“Por sermos um negócio menor, às vezes parece mais pessoal quando tomamos uma decisão como aumentar o preço de varejo de um produto ou não ter um produto disponível em certas linhas de distribuição, porque alguns de nossos fãs nos conhecem muito bem”, diz ela. “É uma decisão comercial – e nem mesmo uma que queremos tomar”. Parece uma coisa distante quando se diz crise global de transporte marítimo, mas todas as indústrias estão sendo afetadas por isto, de uma forma ou de outra”.
(1) Monopoly também é publicado no Brasil como Banco Imobiliário, pela Estrela
(2) Clue também é publicado no Brasil como Detetive, pela Estrela
(3) Spirit Island é publicado no Brasil pela Ace Studios